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Anticoncepcional: como um dos métodos mais utilizados no mundo pode prejudicar a saúde das mulheres

  • Foto do escritor: Luchelle Furtado
    Luchelle Furtado
  • 26 de abr. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualmente, as pílulas são usadas por 214 milhões de mulheres ao redor do mundo e movimentam um mercado de US$ 18 bilhões anuais


A utilização da pílula se dá por motivos variados como evitar gravidez, regular a menstruação, controlar a cólica e, até mesmo, melhorar o aspecto da pele - Foto: Pixabay


Luchelle Furtado


“Eu estava sempre meio que “delirando”. Não estava em meu estágio normal e isso foi se agravando até as pernas ficarem inchadas a tal ponto que eu não tinha posição para sentar, ficar de pé ou deitada, sem contar a dor. Fiquei o dia todo com as pernas pra cima, até que a noite, após sair do banho, não conseguia colocar roupa nenhuma, pois minhas pernas estavam muito inchadas e vermelhas.”


O desabafo acima foi feito pela administradora Camila Calzolari, quando questionada sobre o que o anticoncepcional lhe causou. A jovem, que começou a tomar os comprimidos aos 16 anos para tratar de um problema de ovários policísticos, levou apenas um mês para sentir os efeitos colaterais de um dos métodos contraceptivos mais usuais no mundo. O que, a princípio, parecia ser apenas uma retenção de líquido, logo se tornou em um pesadelo.


A pílula no mercado


Segundo um levantamento feito pela BBC News, hoje, as pílulas são usadas por 214 milhões de mulheres ao redor do mundo e movimentam um mercado de US$ 18 bilhões anuais.


Os motivos são inúmeros: evitar gravidez, regular a menstruação, controlar a cólica e, até mesmo, melhorar o aspecto da pele. No entanto, para uma parcela das mulheres, a pílula pode causar muitos malefícios.


Isso porque, o alto índice de hormônio inserido no anticoncepcional pode provocar danos como: retenção de líquido, aumento da chance de manifestar doenças hepáticas, riscos de desenvolver hipertensão arterial, aumento do risco de apresentar doenças tromboembólicas, aparecimento de miomas e tumores e outros.


Um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de Nottingham, na Inglaterra - onde foi possível traçar uma relação entre o uso de contraceptivos orais e as tromboses observadas em mulheres entre 15 e 49 anos - aponta que mulheres que tomam contraceptivos orais combinados de terceira e quarta gerações - introduzidas no mercado a partir de 1980 - têm um risco de trombose venosa quase duplicado em relação às mulheres que tomam contraceptivos orais de primeira e segunda gerações - que são as mais antigas. Já quando comparado com mulheres que não tomam nenhuma pílula, o risco de quem faz o uso do método chega a ser quatro vezes maior.


Quem sabe bem o que é passar por isso é Camila Calzolari. “Assim que eu iniciei o uso da pílula eu comecei a engordar, mas somente as minhas pernas ficaram inchadas. Eu ignorava qualquer sintoma. Parei muitas vezes no hospital com a pressão baixíssima, mas por fazer acompanhamento clínico, acreditava que era algo normal. Infelizmente, não era”, relata a jovem.


Pouco tempo depois de começar a fazer o uso do comprimido, Camila ficou com a perna completamente inchada. A solução foi ir a um hospital. Segundo a administradora, após realizar alguns exames, o médico deu o diagnóstico de que ela estava com trombose venosa profunda. Quando Camila recebeu a notícia, ela relembra que parecia que o seu mundo tinha caído e ela só tinha forças para chorar.


“Era um estágio tão avançado que se eu esperasse por mais um dia, não teria acordado. Fiquei internada de imediato. A princípio foram me aplicando a injeção Clexane, que é um anticoagulante, na barriga para que não se agravasse mais o problema”, conta Camila.


A administradora relembra que precisou fazer dois processos cirúrgicos. O primeiro foi colocar uma rede entre o coração e o estômago, mas, por ser muito magra, não deu certo e o processo foi revertido. O outro procedimento foi o cateter atrás de cada perna, já que a jovem teve trombose nas suas, e ilíacas, perto da barriga. Esse cateter jogava varfarina em uma agulha que ficava nas veias atrás dos joelhos. Tal situação fez com que Camila precisasse ficar com as pernas presas a uma maca para não se mexer.


Após todo esse sofrimento, Camila conta que teve sérios problemas de anemia, por ter perdido muito sangue durante os procedimentos médicos. A alta hospitalar só veio um mês depois que deu entrada na UTI. Em casa, foi preciso fazer uma dieta restritiva, além de tomar anticoagulante em comprimido e usar meia de compressão.


“Depois de um ano fazendo exames e tendo acompanhamento todo mês, eu recebi alta do meu médico. Os trombos foram todos embora, as veias estavam recanalizadas e as que foram prejudicadas pela trombose encontraram novos caminhos. Hoje, graças a Deus, eu não preciso mais tomar anticoagulante. Mas, faço exames anuais para verificar se está tudo bem, já que tenho sequelas pois minha circulação não é mais a mesma”, informa Camila.


Atualmente, em algumas situações, Camila precisa tomar injeção para fazer viagens que têm mais de cinco horas de duração e usar meias de compressão. Apesar disso, ela se diz grata por tudo. Por hoje ter saúde e estar viva com as suas pernas - já que ela tinha medo de precisar amputar quando descobriu a doença.


“Como vivi um momento muito difícil, eu aprendi a valorizar tudo à minha volta. A vida é extremamente importante. Não digo que sou contra ou a favor da pílula. Eu sou a favor da saúde. Hoje em dia, o que faço, é sempre pesquisar muito bem o que vou fazer, pois não quero cair em uma UTI novamente”, conclui a administradora.


Machismo intrínseco


A primeira pílula foi lançada em 1960, mas só há poucos anos a comunidade científica passou a discutir e ir com mais afinco sobre os efeitos colaterais que o anticoncepcional pode causar na saúde da mulher. Atualmente, há várias pílulas no mercado farmacêutico e, a maioria, com doses bem mais baixas de hormônios, quando comparadas com as bombas hormonais no passado. Algumas, por exemplo, contém 15 microgramas de estrogênio, dose dez vezes mais baixa do que a primeira lançada no mercado, que continha 150 microgramas do hormônio.


Mesmo que o anticoncepcional tenha sido uma vitória, quando falamos no direito da mulher sobre ter controle do próprio corpo, apesar do avanço, no entanto, a pergunta que fica é: por que só as mulheres, na maioria dos casos, são submetidas a esses métodos?


Desde que a pílula foi apresentada oficialmente, na lista dos 20 métodos contraceptivos da Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas 2 deles são voltados para os homens, sendo eles a camisinha e a vasectomia.


Para a ginecologista Najla Mohamad Tayfour, o machismo é um dos agravantes dessa situação. “No caso das pílulas masculinas, até o momento, não se conseguiu uma eficiente. Na maioria dos testes a efetividade de infertilidade foi de 90% e isso ainda é alto pensando em uma possível gestação. Fora que as medicações masculinas testadas tiveram efeitos colaterais desfavoráveis como a diminuição da libido e do estado de ânimo e isso não é muito bem tolerado pelos homens.”


Enquanto os homens não compartilham dessa responsabilidade, o que continuamos acompanhando são histórias que se repetem diante do uso da pílula.


Quando a analista de desenvolvimento organizacional Sabina Calixto começou a tomar o anticoncepcional, com apenas 18 anos, a principal razão era a diminuição de cólicas e do fluxo menstrual, além da prevenção de uma possível gestação, já que, na época, Sabina namorava e isso era uma preocupação de ambos.


Apesar de começar a fazer o uso do anticoncepcional com orientação médica, foram necessários apenas seis meses para que os primeiros sintomas começassem a aparecer: Sabina teve trombose venosa cerebral e quase sofreu um AVC. Segundo a analista, um dos primeiros efeitos colaterais que teve foi a visão duplicada e a dificuldade de equilíbrio.


“Fui para o pronto socorro algumas vezes. O primeiro sintoma foi desconforto muscular entre as costas e a nuca do lado direito. Fui medicada e liberada. No dia seguinte, voltei ao pronto socorro com as mesmas dores e, além disso, muito enjoo e fotofobia. No entanto, mais uma vez fui medicada e me liberaram”, detalha Sabina.


A analista, então, precisou ir ao pronto socorro pela terceira vez. Segundo Sabina, além dos outros sintomas, ela não conseguia ingerir nada, nem mesmo água, sem vomitar. Além disso, ela sentia uma forte dor de cabeça que não aliviava com nenhum medicamento. Tamanha dor fez com que a jovem chegasse a desmaiar enquanto aguardava o atendimento.


Sabrina foi submetida a tomografia e fez um exame de sangue. Constataram que ela apresentava uma alteração no lado direito do cérebro. O caso era grave e imediatamente internaram a analista em uma UTI.


“A primeira medida do médico plantonista foi suspender tudo que eu tomava, as vitaminas que fazia reposição, os remédios para controlar a dor muscular e o anticoncepcional. Depois de uma semana de UTI confirmaram o diagnóstico e a causa principal foi atribuída ao anticoncepcional”, conclui Sabina.


Atualmente, se tratando de contraceptivos, Sabina faz o uso apenas de camisinhas. Apesar de, como ponto negativo, sem a pílula, não conseguir controlar o seu período menstrual, ela alerta: “Uma coisa que eu sempre falo para as minhas amigas é que cada organismo tem uma resposta à pílula. Vários médicos me disseram que uma a cada três mulheres podem ter algum problema daqueles que têm na bula da pílula. Eu tive o azar de ser uma dessas. Isso não é regra, mas meu recado sempre é: se cuide, consulte um médico especialista e não ignore sintomas que parecem bobos, como uma simples dor de cabeça.”


Em suma, o que fica de lição, é que independentemente da situação é de extrema importância se atentar aos sinais que o corpo indica. Se conhecer e cuidar de si é o primeiro passo. “O mais importante é uma avaliação global da paciente para saber se, além da contracepção, será necessário tratar alguma patologia clínica associada a endometriose, por exemplo. A escolha deve ser tranquila e aquela que a paciente se sinta mais confiante em usar”, aconselha Najla.



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